Um cântico budista frequentemente entoado nos monastérios Theravada declara:
“Estou sujeito ao envelhecimento… sujeito à doença… sujeito à morte…”
Essa é a tradução padrão da língua Pali para o português, mas a tradução tailandesa é diferente:
“O envelhecimento é normal para mim… doença é normal… a morte é normal para mim…”
Comparando as traduções vemos abordagens diferentes para a mesma constatação. É notável a dificuldade com a qual nós ocidentais lidamos com essas questões. Evitamos ao máximo lembrar da impermanência e sofremos profundamente quando o inevitável acontece.
Você pode pensar que é deprimente repetir essas palavras. Mas não devemos suprimir o conhecimento de nossa fragilidade e impermanência. Esses são os medos que estão nas profundezas da nossa consciência e, para nos libertarmos deles, devemos convidar as lembranças para a nossa consciência e parar de vê-las como inimigas.
Cinco Lembranças
As Cinco Lembranças são cinco verdades que Buda apresentou a todos como objeto de contemplação e aceitação. Ele disse a seus discípulos que refletir sobre essas cinco verdades faz nascer os fatores do Caminho Óctuplo. A partir disso, grilhões são abandonados e obsessões destruídas.
Essas lembranças são encontradas em um sermão do Buda chamado Upajjhatthana Sutta, contido no Sutta-pitaka (Anguttara Nikaya 5:57).
1. Sou da natureza de envelhecer; não há como escapar do envelhecimento.
2. Sou da natureza de adoecer; não há como escapar da enfermidade.
3. Sou sou da natureza de morrer; não há como escapar da morte.
4. Tudo o que é querido para mim e todos que eu amo são da natureza de mudar. Não há como escapar da separação.
5. Eu sou o dono das minhas ações (kamma), herdeiro das minhas ações, nascido das minhas ações, relacionado através das minhas ações e tenho as minhas ações como árbitro. O que quer que eu faça, para o bem ou para o mal, disso me tornarei o herdeiro.
A luz de consciência e atenção nessas 5 realidades inevitáveis alivia o medo que temos das mesmas, até que o relacionamento que temos com o medo seja totalmente transformado. É como se um monstro que estivesse escondido no armário fosse descoberto, e sob essa luz da atenção plena se revelasse algo diferente do que pensávamos que era. Pode até não ser nem um monstro.
Sabendo que somos da natureza envelhecer, adoecer e morrer, podemos abraçar nossa saúde, juventude e viver a vida plenamente. Sabendo que a vida é impermanente, podemos abraçar e apreciar nossos entes queridos e aproveitar cada momento que temos com eles. Sabendo que nossas ações são nossos únicos pertences verdadeiros, assumimos a responsabilidade por nossos pontos de vista, pensamentos, palavras e ações, e seguimos na direção da compaixão e compreensão por nós mesmos e pelos outros.
Upajjhatthana Sutta
Segue abaixo o trecho do Upajjahatthana Sutta que aprofunda as questões relacionadas às cinco lembranças. Cortesia do Acesso ao Insight.
“Agora, baseado em que linha de raciocínio alguém deve refletir com freqüência que ‘Eu estou sujeito ao envelhecimento, não superei o envelhecimento’? Há seres que estão embriagados com a [típica] embriaguez dos jovens com a juventude. Por causa dessa embriaguez com a juventude, eles se conduzem de uma forma prejudicial com o corpo … com a linguagem … com a mente. Porém, ao refletir sobre isso com frequência, essa embriaguez dos jovens com a juventude ou é totalmente abandonada ou é enfraquecida.
“Agora, baseado em que linha de raciocínio alguém deve refletir com freqüência que ‘Eu estou sujeito à enfermidade, não superei a enfermidade’? Há seres que estão embriagados com a [típica] embriaguez das pessoas saudáveis com a saúde. Por causa dessa embriaguez com a saúde, eles se conduzem de uma forma prejudicial com o corpo … com a linguagem … com a mente. Porém, ao refletir sobre isso com frequência, essa embriaguez das pessoas saudáveis com a saúde ou é totalmente abandonada ou é enfraquecida.
“Agora, baseado em que linha de raciocínio alguém deve refletir com freqüência que ‘Eu estou sujeito a morte, não superei a morte’? Há seres que estão embriagados com a [típica] embriaguez das pessoas com a vida. Por causa dessa embriaguez com a vida, eles se conduzem de uma forma prejudicial com o corpo … com a linguagem … com a mente. Porém, ao refletir sobre isso com frequência, essa embriaguez das pessoas com a vida ou é totalmente abandonada ou é enfraquecida.
“Agora, baseado em que linha de raciocínio alguém deve refletir com freqüência que ‘Eu me tornarei diferente, separado de tudo o que é querido e amado’? Há seres que sentem cobiça e desejo pelas coisas que consideram queridas e amadas. Por causa dessa cobiça e desejo, eles se conduzem de uma forma prejudicial com o corpo … com a linguagem … com a mente. Porém, ao refletir sobre isso com frequência, esse desejo e cobiça pelas coisas que são queridas e amadas ou é totalmente abandonado ou é enfraquecido.
“Agora, baseado em que linha de raciocínio alguém deve refletir com freqüência que ‘Eu sou o dono das minhas ações (kamma), herdeiro das minhas ações, nascido das minhas ações, relacionado através das minhas ações e tenho as minhas ações como árbitro. O que quer que eu faça, para o bem ou para o mal, disso me tornarei herdeiro’? Há seres que se conduzem de uma forma prejudicial com o corpo … com a linguagem … com a mente. Porém, ao refletir sobre isso com freqüência, essa conduta prejudicial com o corpo, linguagem, e mente ou é totalmente abandonada ou é enfraquecida.
“Agora, um nobre discípulo considera o seguinte: ‘Eu não sou o único sujeito ao envelhecimento, que não superou o envelhecimento, mas sempre que há seres, indo e vindo, falecendo e renascendo, todos esses seres estão sujeitos ao envelhecimento, não superaram o envelhecimento.’ Ao refletir isso com frequência, os [fatores do] caminho surgem. Ele permanece fiel ao caminho, desenvolvendo-o e cultivando-o. Ao permanecer fiel ao caminho, desenvolvendo-o e cultivando-o, os grilhões são abandonados, as tendências subjacentes são destruídas.
“Além disso, um nobre discípulo considera o seguinte: ‘Eu não sou o único sujeito à enfermidade, que não superou a enfermidade’ … Eu não sou o único sujeito à morte, que não superou a morte’ … ’Eu não sou o único que me tornarei diferente, separado de tudo que é querido e amado’ …
“Um nobre discípulo considera o seguinte: ‘Eu não sou o único dono das minhas ações (kamma), herdeiro das minhas ações, nascido das minhas ações, relacionado através das minhas ações, tendo as minhas ações como árbitro; que – o que quer que eu faça, para o bem ou para o mal, disso me tornarei herdeiro,’ mas sempre que houver seres, indo e vindo, falecendo e renascendo, todos esses seres serão os donos das suas ações, herdeiros das suas ações, nascidos das suas ações, relacionados através das suas ações e tendo as suas ações como árbitro. O quer que façam, para o bem ou para o mal, disso eles se tornarão herdeiros.’ Ao refletir isso com freqüência, os [fatores do] caminho surgem. Ele permanece fiel ao caminho, desenvolvendo-o, cultivando-o. Ao permanecer fiel ao caminho, desenvolvendo-o e cultivando-o, os grilhões são abandonados, as tendências subjacentes são destruídas.”