Durante a minha estadia no retiro de vipassana do monastério Wat Pa Tam Wua, tive a sorte de participar ativamente da série de festividades que precedem a construção de um novo templo budista tailandês.
Fui recebida por Mr. Pong, o leigo residente do monastério que faz o acolhimento dos visitantes. Com um enorme sorriso, ele me deu as boas vindas e disse que a minha chegada naquele dia denotava um karma muito positivo, com grandes méritos acumulados no passado.
Achei que ele mandasse esse papo pra todos, mas logo descobri que aquele realmente era um momento crucial para toda a comunidade que vive nos arredores do Wat Pa Tam Wua.
A construção de um novo templo
Depois de instalada no alojamento e propriamente vestida com as roupas brancas, participei da minha primeira entoação de cânticos. Pouco antes da meditação começar, o Abade do monastério deu as boas vindas aos recém-chegados e anunciou as particularidades da nossa estadia.
Nós poderíamos aproveitar a rotina do retiro de meditação por alguns dias, mas muito em breve ela seria interrompida por um evento que ocuparia um dia todo. O monastério receberia centenas de moradores da região e as acomodações seriam privilegiadas para visitantes ilustres que viriam de longe – teríamos que nos apertar um pouco nos alojamentos.
Tudo isso para a realização de uma cerimônia muito importante para os tailandeses: a consagração de um novo templo budista.
Preparações para o grande dia
A comunidade estava muito orgulhosa de finalmente conseguir os fundos para construir um templo para o monastério, que até então só contava com dois salões para as práticas meditativas. Essa nova fase se devia em grande parte ao sucesso do retiro e das doações que recebem dos estrangeiros que o visitam, além, claro, do apoio da população e governo locais.
Os monges do Wat Pa Tam Wua têm muito carinho pelo projeto do retiro e fizeram questão de incluir seus participantes nas atividades. Nós tivemos uma posição central nas cerimônias e algumas horas do dia anterior ao evento foram dedicadas à ensaios gerais para garantir nossa boa compostura e compreensão dos rituais que seriam realizados.
A chegada da comunidade
Depois de aproveitar alguns dias da rotina do retiro observei o cenário todo se transformando. Dezenas de famílias chegaram ao Wat Pa Tam Wua e se instalaram em barracas nos gramados. Muitas delas vieram vender roupas e alimentos na estradinha que fica na entrada do monastério.
Eu que antes estava alojada em um lindo kuti de madeira, dividindo com apenas duas mulheres, tive que ser realocada para o gramado. A preferência era dada às famílias. Então eu e muitos visitantes do monastério passamos alguns dias dormindo em barracas.
Fiquei impressionada com a organização e otimização do espaço. Vieram muitas pessoas e ninguém ficou desconfortável por isso. Todos tinham acesso aos banheiros e chuveiros, que eram limpos coletivamente e estavam sempre em ótimo estado mesmo com a quantidade de pessoas fazendo uso. Realmente um exemplo de convivência comunitária.
Um novo espaço sagrado
Finalmente, após muitos preparos, chegou o dia da festa. Monges de outras regiões, políticos influentes, famílias ricas, famílias pobres, veio todo tipo de gente assistir os rituais.
A primeira cerimônia do dia foi a consagração do terreno onde será construído o novo templo. Foram colocadas estacas de madeira nos lugares onde as pilastras do templo serão erguidas e existe toda uma especificidade ao redor dessas estacas, que são 9 em cada pilastra. Cada uma é feita de um tipo de madeira diferente.
A comunidade foi divida em pilastras diferentes para todos participarem do ritual. Nós, estrangeiros, ficamos ao redor de uma pilastra e pudemos realizar a nossa parte. Usando um martelinho de madeira especial para isso, as pessoas iam martelando as estacas enquanto cânticos eram entoados para dar suporte à ação. Cada um colocando um pouco de sua própria energia nos fundamentos do novo templo.
Havia uma sintonia muito especial e um quê de inacreditável. Eu não esperava que fosse ser tão bonito de participar e assistir. Aquele monte de gente unida e concentrada realmente me emocionou.
Com os fundamentos do templo devidamente abençoados, seguimos todos para o próximo ritual. Cada um foi carregando o próprio assento e atravessando o terreno do monastério em direção às caldeiras extremamente quentes que estavam queimando há dias por um motivo bem especial.
A estátua de Buda
As caldeiras estavam derretendo ouro e outros metais para a construção da estátua central do templo, que tem enorme importância para os fiéis e monges.
O molde de mais de 2 metros de altura para a estátua do Buda estava pronto para ser preenchido com os metais e todas as pessoas vieram participar desse momento. Todos unidos entoando cânticos, literalmente conectados pelo sai sin (barbante).
Nos foram entregues pequenas placas douradas para escrevermos nossos nomes e datas de nascimento. Em seguida juntaram as plaquinhas de toda a comunidade e as fundiram junto com o ouro que revestiria a estátua de Buda. Nossos caminhos ali se entrecruzaram e para sempre ficarão marcados naquela estátua, dentro daquele templo.
Thod Kathin
Após as cerimônias relacionadas ao novo templo, tivemos também um ritual que acontece anualmente em todos os países onde o budismo theravada predomina. Na Tailândia é chamado de Thod Kathin.
O Thod Kathin nada mais é do que a oferenda de trajes e utensílios de uso pessoal aos monges. No Wat Pa Tam Wua fomos nós, estrangeiros, que realizamos a entrega dos trajes monásticos doados pela comunidade. Foram nos chamando pelo nosso país de origem, pra denotar a grande variedade de visitantes que eles recebem. Surpreendentemente foi uma lista de mais de 20 países!
Não consegui registrar nada desse momento. Estava no centro das atenções tentando não errar minha hora de entregar as vestes e fazer as reverências corretas para os monges…
Momentos de abundância
Por fim, após o Thod Kathin, tivemos a felicidade de comer um almoço cozinhado pelas famílias que vieram se hospedar no monastério. Cada família estava com uma barraquinha servindo uma iguaria tailandesa diferente.
Tinham sobremesas e até uma barraca especializada em café. Comemos muito e à vontade, burlando o sexto preceito de se abster de alimento após o meio dia. Os monges pararam ao meio dia, mas o povo seguiu com o banquete por um tempo!
A maior parte das pessoas deixou o monastério após esse almoço e nós do retiro passamos o resto da tarde organizando o espaço. Lavamos louça, organizamos pratos e talheres e movemos as cadeiras de lugar para serem recolhidas por caminhões (eram centenas de cadeiras, foi muito trabalho!).
Foi um dos dias mais incríveis da minha vivência na Tailândia. Vou guardar esse vislumbre de harmonia e paz durante toda a minha vida e espero um dia poder retornar ao Wat Pa Tam Wua e visitar o templo que ajudei a consagrar 🙂
Pra se inspirar
A recitação dos cânticos foi definitivamente um dos aspectos da vivência religiosa theravada que mais me marcaram. Fica aqui o registro de um dos cânticos mais entoados, que abriu e fechou todas as cerimônias desse dia:
Namo Tassa Bhagavato Arahato Sammā Sambudhassa (3x)
Homenagem ao Abençoado, o Exaltado, o Perfeitamente Iluminado;
Buddham Saranam Gacchāmi
Eu vou ao refúgio do Buda (Iluminado)
Dhammam Saranam Gacchāmi
Eu vou ao refúgio do Darma (Ensinamento)
Sangham Saranam Gacchāmi
Eu vou ao refúgio do Sangha (Comunidade)
Dutiyampi Buddham Saranam Gacchāmi
Pela segunda vez eu vou ao refúgio do Buda (Iluminado)
Dutiyampi Dhammam Saranam Gacchāmi
Pela segunda vez eu vou ao refúgio do Darma (Ensinamento)
Dutiyampi Sangham Saranam Gacchāmi
Pela segunda vez eu vou ao refúgio do Sangha (Comunidade)
Tatiyampi Buddham Saranam Gacchāmi
Pela terceira vez eu vou ao refúgio do Buda (Iluminado)
Tatiyampi Dhammam Saranam Gacchāmi
Pela terceira vez eu vou ao refúgio do Darma (Ensinamento)
Tatiyampi Sangham Saranam Gacchāmi
Pela terceira vez eu vou ao refúgio do Sangha (Comunidade)
Saiba mais sobre outros tipos de cânticos budistas nesse post.
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